O Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) recorreu aos dados da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género para mostrar que o crime de violência doméstica é atualmente o crime com o maior número de denúncias: em 2023 o número de ocorrências participadas foi superior a 30 000 e neste ano já vai além dos 23 000. Para João Cura Mariano, que falava na Conferência sobre o Combate à Violência contra as Mulheres e Violência Doméstica, estes números são “uma importante mudança no modo como as vítimas encaram a sua dura realidade”.
A conferência, que decorreu na Casa das Histórias – Paula Rego, em Cascais, assinalou o Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres e contou com as intervenções das ministras da Juventude e Modernização, da Administração Interna e da Justiça, e de outros representantes de instituições governamentais e da sociedade civil, numa “reflexão conjunta para reforçar a proteção das vítimas e aprofundar o compromisso no combate à violência de género”.
Proporcionalmente às denúncias, o número de processos julgados por crimes de violência doméstica não tem parado de aumentar, sendo atualmente um dos tipos de crime dominantes nos tribunais. Em 2022 foram julgados 3364 processos-crime por violência doméstica e em 2023 foram a julgamento 3452 arguidos acusados deste crime.
O número de arguidos a aguardar julgamento em prisão preventiva também tem aumentado: enquanto no 4.º trimestre de 2018 existiam cerca de 112 detidos preventivamente por este crime, no terceiro trimestre de 2024 já eram 342 os arguidos que aguardavam julgamento em prisão preventiva. O mesmo sucedeu com o número de condenações em penas de prisão efetiva, encontrando-se atualmente a cumprir pena por crime de violência doméstica uma média de 1000 reclusos.
O Presidente do STJ admitiu que a resposta massiva do sistema penal não tem surtido um efeito visível na diminuição do fenómeno – nem no número de vítimas mortais – apesar de todas as reformas que se têm feito na lei. Para João Cura Mariano, o contexto em que ocorre é demasiado complexo para que a ameaça de pena de prisão ou o agravamento das molduras penais funcionem como dissuasor da prática do crime, e defendeu a necessidade de medidas que tenham em conta a especificidade da violência doméstica.
“É preciso olhar para este tipo de crime numa abordagem muito própria, impondo a cada caso um acompanhamento multidisciplinar adaptado às circunstâncias concretas e que seja contínuo, ou seja, que atue desde a notícia do crime até ao julgamento e após a condenação”. Defendeu que é preciso avaliar cada caso e disponibilizar o apoio – psicológico, terapêutico, social e económico – que garanta o fim do ciclo de violência. “As necessidades das vítimas vão muito além do âmbito do processo judicial e das competências dos tribunais”.
Alancou, no entanto, uma série de “fragilidades” identificadas pelo Observatório Judicial da Violência de Género e Doméstica, criado pelo Conselho Superior da Magistratura em 2018, nas decisões proferidas pelos tribunais de 1.ª instância. “A necessidade de os juízes deverem despir-se de preconceitos e afastar estereótipos, conscientes do quanto estes podem interferir na sua imparcialidade e objetividade, abstendo-se de afirmações dúbias, impróprias na condução do julgamento e nas suas decisões, reveladoras de algum juízo pessoal ou subjetivo, devendo restringir-se à apreciação dos factos, sem considerações pessoais”.
Leia aqui na íntegra a comunicação do Presidente do STJ.
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