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Jurisprudência em Destaque

Violência Doméstica

21 Mai 2024

 

I. A violência doméstica é um fenómeno muito antigo, mas que tem vindo a assumir foros de escândalo nas sociedades modernas. No nosso país, em particular, os casos de violência doméstica têm vindo a aumentar exponencialmente e, infelizmente, é raro o dia que não sejam relatados em noticiários dos nossos canais de televisão ou não integrem as primeiras páginas dos nossos jornais, incluindo os de referência.

II. Importa, igualmente, ter em conta que a violência doméstica representa hoje um dos mais importantes fatores de perigo para a saúde, desenvolvimento, segurança e educação das crianças.

III. Torna-se, pois, essencial que os tribunais acompanhem as mudanças de mentalidade e atitudes que vão acontecendo na comunidade e que exerçam cabalmente as suas funções e competências.

IV. Sendo também muito importante que os tribunais, em especial os tribunais superiores, deem sinais claros para a comunidade que a justiça penal não condescenderá com este tipo de condutas, que constituem um verdadeiro atentado aos direitos fundamentais.

V. Na esteira da doutrina e jurisprudência mais relevantes, a determinação da pena do concurso implica, fundamentalmente, duas operações: em primeiro lugar, o tribunal tem de determinar a pena que concretamente caberia a cada um dos crimes em concurso, seguindo o procedimento normal de determinação da pena; em seguida, construirá a moldura penal do concurso, que é uma verdadeira moldura penal, com o seu limite máximo e o seu limite mínimo, dependendo esta operação da espécie ou das espécies de penas parcelares que tenham sido concretamente determinadas. Estabelecida a moldura penal do concurso, o tribunal determinará, então, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais da culpa e de prevenção. Mas, para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no art. 71.º n.º 1, a lei fornece ao tribunal um critério especial: «Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente» (art. 77.º n.º 1, 2.ª parte).

VI. Como acentua o Professor Figueiredo Dias, tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado.

VII. Na situação sub judice, atendendo à elevada ilicitude e culpa do agente, bem como às fortes razões de prevenção geral e até de prevenção especial, entendemos mais ajustada a medida da pena parcelar para o crime de violência doméstica em que é vitima a companheira do arguido, de 3 anos e 10 meses de prisão, em vez dos 3 anos que foram aplicados pelo tribunal a quo, e também mais adequadas a pena de 3 anos de prisão para cada um dos três crimes, em relação aos filhos – enquanto pessoas particularmente indefesas, em razão da idade e da dependência económica -, em virtude de os 2 anos e 8 meses de prisão, para cada um destes crimes, que foram aplicados pelo tribunal recorrido, se situarem muito próximos do limite mínimo da respetiva moldura abstrata, justificando-se, assim, uma intervenção corretiva deste Supremo Tribunal e estabelecendo-se, em consequência, a medida de 3 anos e 10 meses para o primeiro dos mencionados crimes e de 3 anos de prisão para cada um dos restantes (art. 71.º, do CP).

VIII. Como corolário desta alteração e tendo-se em consideração as penas impostas pelos demais crimes (2 crimes de violação agravada e um crime de violação de domicílio) em que o arguido foi também condenado, a moldura, em abstrato, da pena conjunta passará a ser de 3 anos e 10 meses (limite mínimo) a 20 anos e 2 meses de prisão (limite máximo).

IX. Nesta conformidade, julga-se mais adequado e proporcional, considerando, em conjunto, a gravidade dos factos praticados e a personalidade deformada, persecutória, manipuladora e de verdadeiro tirano para os filhos do arguido (art. 77.º n.º 1, do CP), que a medida da pena única seja alterada de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão para 9 (nove) e 6 (seis) meses de prisão.

X. Termos em que, se acorda em julgar improcedente o recurso do arguido e parcialmente procedente o recurso do Ministério Público.

02-05-2024
Proc. n.º 1061/21.4GBVNG.P1.S1 (3.ª Secção)
Pedro Branquinho Dias (Relator)
Carmo Silva Dias
Antero Luís
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