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Webinar Proteção de Dados e Tribunais

02 Fev 2023

Resolveu o Supremo Tribunal de Justiça organizar esta webinar internacional dedicada à proteção de dados na vertente da atividade judiciária.

 

Para nos ajudar nesta reflexão, contamos com a presença de verdadeiros especialistas nesta matéria:  o Senhor Juiz Michal Bobek, do Supremo Tribunal Administrativo da Chéquia, que intervirá por videoconferência, a Senhora Juíza Anne-Marie Witters, do Tribunal de Recurso de Bruxelas e Secretária-Geral da Association of European Data Protection Judges, a Senhora Drª Maria Filipa Calvão, Presidente da Comissão Nacional de Proteção de Dados,  a Senhora Juíza Sofia Wengorovius, Encarregada da Proteção de Dados do Conselho Superior da Magistratura e o Senhor Dr. João Ferreira Pinto, Encarregado da Proteção de Dados do Supremo Tribunal de Justiça.

 

A todos dou as boas-vindas e agradeço a disponibilidade para participarem nesta iniciativa.

 

Cumprimento também todos os que participam presencialmente e por via remota, sendo de assinalar que o número de inscritos ultrapassa o meio milhar, sinal inequívoco do interesse que esta matéria desperta.

 

Celebrou-se há escassos dias, no passado dia 28 de janeiro, o Dia da Proteção de Dados.

Ao assinalar essa data, o Supremo Tribunal de Justiça fez a publicação no seu site oficial da jurisprudência nacional mais relevante sobre a matéria, assumindo o compromisso de renovar essa publicação a cada ano, nesse mesmo dia.

 

O tema da proteção de dados, não obstante a sua importância e complexidade, tem sido praticamente omitido da discussão pública, o que não deixa de causar estranheza.

Maior estranheza causa ainda a ligeireza com que algumas entidades, públicas e privadas, têm lidado com a proteção de dados.

É mais do que tempo de olhar com toda a atenção para este assunto, cuja importância está bem refletida nas palavras da Professora Mafalda Miranda Barbosa:

“Se adequadamente reconhecermos que subjacente ao direito à proteção de dados estão outros direitos fundamentais, em relação aos quais aquele funciona como guarda-avançada, então torna-se facilmente percetível que o acesso a tais dados pessoais poderá implicar uma lesão do direito à privacidade. Mas não só: o direito à igualdade, o direito à imagem, o direito à identidade pessoal e o direito à autodeterminação informacional podem também sofrer lesões, colocando-se em causa a incolumidade da pessoa” – fim de citação.

 

A trave-mestra da proteção de dados é, como sabemos, o Regulamento (EU) 2016/679 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 27 de abril de 2016, que entrou em vigor em maio de 2016 e é aplicável a toda a União Europeia desde 25 de maio de 2018.

 

São vários os campos onde a proteção de dados se impõe como garantia de primeira linha na defesa dos direitos fundamentais.

 

Nesta concreta oportunidade, o enfoque vai incidir obviamente na interação do Regulamento com a atividade judiciária, importando clarificar, por exemplo, o âmbito da  aplicação das regras de proteção de dados quando se trate do exercício de funções jurisdicionais, em contraponto com o tratamento de dados em funções não jurisdicionais.

 

Reveste-se, por exemplo, de grande interesse apurar a forma como se compagina a proteção de dados pessoais com o direito à informação, nomeadamente em casos judiciais de maior impacto social.

 

A análise do Acórdão do Tribunal de Justiça, de 24 de março de 2022, proferido no processo n.º C-245/20, em que foi relator um dos oradores de hoje, o Senhor Juiz Michal Bobek ajudará, certamente, na reflexão sobre a definição dos limites dos direitos dos titulares dos dados pessoais.

 

Foi decidido nesse processo que o artigo 55.o, n.º 3, do Regulamento deve ser interpretado no sentido de que o facto de um órgão jurisdicional disponibilizar temporariamente a jornalistas documentos dos autos de um processo judicial, que contêm dados pessoais, a fim de lhes permitir informar melhor sobre o desenrolar desse processo, decorre do exercício, por esse órgão jurisdicional, da sua «função jurisdicional», na aceção desta disposição.

 

É precisamente esse mesmo exercício da função jurisdicional pelos tribunais que exclui a intervenção de qualquer autoridade administrativa para exercer o controlo de operações de tratamento de dados, em nome e como salvaguarda do princípio da independência do poder judicial.

 

Poderá também ser interessante abordar o regime de especialidades previsto no Regulamento e na Lei 59/2019, de 8 de agosto, para o tratamento de dados pessoais conexionados com infrações penais ou execução de sanções penais.

 

Haveria muito mais a dizer, por exemplo, quanto aos princípios estruturantes da proteção de dados ou quanto ao tratamento de dados de processos judiciais para fins de consulta, ou para fins jornalísticos, académicos, estatísticos, arquivísticos, etc., mas deixarei estes e outros desenvolvimentos para os distintos oradores desta webinar.

 

Gostava apenas de sinalizar o seguinte:

 

Entre nós, é a Lei 34/2009, de 14 de julho, que fixa o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial.

 

Sendo uma lei anterior ao próprio Regulamento, é nítida a sua desadequação em relação a este último instrumento e também em relação à demais legislação nacional entretanto aprovada.

 

São vários os aspetos que estão carenciados de atualização ou adaptação, sendo um dos mais urgentes o que se relaciona com a criação de uma instância ou organismo no âmbito do sistema judicial ao qual seja confiado o controlo das operações de tratamento de dados efetuadas pelos tribunais no exercício da sua função jurisdicional, dada a referida incompetência da autoridade administrativa de controlo para operar nesse domínio.

 

De acordo com o considerando 20 do Regulamento, esse organismo específico no âmbito do sistema judicial deverá (i) assegurar o cumprimento das regras de proteção de dados inscritas no Regulamento, (ii) reforçar a sensibilização dos membros do poder judicial para as obrigações que lhe são impostas e (iii) tratar as reclamações relativas às operações de tratamento dos dados.

 

Ciente da necessidade de fazer alinhar a legislação nacional com o RGPD, o Conselho Superior da Magistratura, na sessão Plenária de 4 de outubro de 2022, criou um grupo de trabalho para elaboração de projeto de alteração do regime jurídico aplicável ao tratamento de dados referentes ao sistema judicial.

 

Os trabalhos estão em curso e prevê-se a sua conclusão em breve prazo.

 

Para finalizar, gostaria de dizer que, sendo a proteção de dados pessoais nos tribunais uma matéria com que todos nos devemos preocupar, ela não pode, porém, sobrepor-se à realização da Justiça nem interferir com a independência do poder judicial.

 

Espero que esta webinar projete alguma luz no difícil trajeto para uma segura e efetiva proteção dos dados pessoais.

 

LISBOA, 2 de fevereiro de 2023

 

Henrique Araújo, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

 

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