A tomada de posse dos novos juízes saídos do 35º curso normal do Centro de Estudos Judiciários constitui o primeiro ato oficial neste Salão Nobre depois das férias de Verão, marcando o reinício da atividade judicial.
Antes de me dirigir aos novos juízes, aproveito este momento solene para enviar uma saudação especial à nova Direção do Centro de Estudos Judiciários, na pessoa do Senhor Diretor recém-empossado, Desembargador Fernando Ventura.
As minhas felicitações e o desejo do maior sucesso, porque formar bons magistrados é a melhor garantia de que a instituição Justiça cumpre adequadamente o seu papel no Estado de Direito democrático.
Tenho a certeza de que a Direção a que V.ª Ex.ª preside prosseguirá o caminho das antecedentes no estreitamento da colaboração institucional com o Supremo Tribunal.
Senhoras e Senhores Juízes:
Este é o momento em que se mistura a natural alegria dos empossados com a esperança de quem anseia por melhores tempos para a Justiça.
Melhores tempos que, embora não dependam só do desempenho dos juízes, dependem sobretudo desse desempenho.
O que se vos pede é imenso e é importante que estejam bem conscientes disso.
A atividade judicativa está sujeita a um escrutínio sem paralelo com qualquer outra atividade.
Por isso, devereis manter um comportamento cívico irrepreensível e uma atividade social discreta, com a moderação que a responsabilidade do cargo exige.
Em termos funcionais, tereis de responder com estudo, empenho e perseverança à pressão constante dos fluxos processuais, procurando sempre a escolha da solução mais justa para cada caso. Com independência, imparcialidade e bem cientes de que estais sujeitos a um regime de exclusividade funcional e vinculados a um vasto conjunto de deveres estatutários e regras de natureza ética.
Tenho sempre transmitido a ideia de que os juízes devem conhecer a vida real, saber como vivem e pensam os seus concidadãos, perceber as dinâmicas de uma sociedade cada vez mais complexa e com modelos comportamentais que sofreram e continuarão a sofrer rápidas alterações.
Acima de tudo é fundamental que os juízes se mantenham determinados a cumprir aquele que é o seu papel: administrar a justiça em nome do povo.
Tarefa que, diga-se sem rodeios, se afigura bem mais difícil do que há uns anos.
Nota-se na sociedade atual um mal-estar difuso, uma irritação em relação às instituições, aos seus agentes e responsáveis, um ambiente de desconfiança alimentado por uma rede de ferramentas tecnológicas de informação que produz torrentes de notícias diárias, acessíveis através de um mero clic no computador ou no telemóvel, sem que os respetivos editores obedeçam, muitas das vezes, a quaisquer códigos éticos, formais ou informais.
Notícias contraditórias, enganadoras, descontextualizadas ou simplesmente falsas, preenchem os ecrãs dos dispositivos a uma velocidade tal que a posterior verificação dos factos, a existir, deixa de interessar ao destinatário.
Tudo isto afeta o modo de pensar das pessoas, confunde-as, conduz ao extremismo, à radicalização, à exteriorização dos sentimentos mais primários.
A Justiça tem-se mostrado um alvo apetecível destas campanhas de desinformação.
Os juízes, o Conselho Superior da Magistratura e as leis de orgânica judiciária são postos em causa das mais diversas maneiras, num processo de deslegitimação e enfraquecimento do poder judicial que todos sabemos como pode acabar.
Os exemplos da Polónia e da Hungria, países em que o poder judicial foi ‘funcionalizado’ pelo poder político, continuam bem presentes e espalham-se a outras paragens num ritmo crescente.
Não podemos pensar que a independência do poder judicial, que constitui um dos fundamentos das sociedades democráticas ocidentais, se tem por definitivamente adquirida.
Bem pelo contrário, o sistema de pesos e contrapesos das democracias constitucionais ocidentais nunca garantiu estabilidade e, nos tempos agitados que correm, muito menos.
Temos de continuar atentos às tentativas de subjugação dos juízes ao poder político e de mostrar, através do nosso trabalho e dedicação, que os tribunais cumprem o seu papel de pacificação social e de regulação jurisdicional dos litígios.
É fundamental que nesse esforço diário os juízes exerçam o seu múnus nos espaços físicos em que se efetiva o poder soberano de julgar. É nos tribunais, lugares simbólicos da Justiça, que a presença do juiz transmite a segurança necessária à comunidade fazendo-a sentir-se protegida nos seus direitos e interesses.
Permitam-me que chame a atenção para um outro aspeto muito importante na indução da confiança nos cidadãos e que tem a ver com a forma como o juiz elabora a decisão.
Há uma crítica frequente, e plenamente justificada, quanto ao modo como se estruturam as decisões judiciais, acusando-se os juízes de elaborarem decisões praticamente ininteligíveis para o cidadão médio.
Houve um tempo em que o Direito e a literatura se confundiam, a ponto de Stendhal, numa carta escrita a Balzac, ter reconhecido que, enquanto escrevia «A Cartuxa de Parma», todos os dias, para melhorar o estilo, lia três páginas do Código Civil de Napoleão.
Como ainda há pouco tempo referi numa intervenção a propósito da transparência na prática judicial, “vivemos no século XXI, mas a forma como se escrevem muitas sentenças e acórdãos em Portugal não acompanha os tempos modernos: fraseologia complexa, eruditismo, considerações sociológicas, filosóficas e outras, tudo numa amálgama que torna aquilo que deveria ser facilmente apreensível num quebra-cabeças”.
Nas sentenças deve usar-se linguagem tão clara quanto possível e o discurso argumentativo deve ser sintético, ainda que suficiente para perceber o iter decisório.
Evitem, também, as técnicas de copy paste ou usem-nas na medida do absolutamente necessário e sempre com critério e propriedade.
Não há, evidentemente, fórmulas perfeitas para o modo de exercer a judicatura.
Haverá muitos momentos na vossa vida profissional em que sentireis dúvidas sobre o modo de atuar e de decidir um ou outro caso e em que vos confrontareis com dificuldades de vária ordem.
Estou, no entanto, seguro de que este caminho que agora iniciais será bem sucedido e que esta nova geração de magistrados judiciais saberá honrar a Justiça portuguesa.
No discurso da minha tomada de posse como Presidente do Supremo, terminei dizendo que os portugueses podem confiar nos seus juízes.
Hoje, passado mais de um ano e com a experiência que tenho acumulado no Conselho Superior da Magistratura, repito essa afirmação, ainda com mais convicção.
Desejo-vos as maiores felicidades.
Lisboa, 05 de setembro de 2022
Henrique Araújo, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
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