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Discurso de tomada de posse de oito novos conselheiros

29 Jan 2025

Num ritual que se está a tornar uma rotina, testemunhámos hoje mais uma tomada de posse de oito novos Juízas e Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça.

Não vou hoje repetir-me, alertando para a situação entre o trágico e o caricato em que se encontra o Supremo Tribunal de Justiça que, com o olhar preso no calendário, aguarda a aprovação de uma cirúrgica alteração legislativa que tarda e vê aproximar-se o fim da lista dos juízes desembargadores da última graduação do concurso de acesso.

Opto, antes, por felicitar as Senhoras Juízas Conselheiras e os Senhores Juízes Conselheiros Margarida Ramos de Almeida, Carlos Portela, Jorge Jacob, Arlindo Oliveira, António Robalo, José Aniceto Piedade, Ernesto Nascimento e Ana Paramés.

E, aproveitando este momento solene, quero aqui deixar-lhes algumas breves palavras de incentivo interessado para o exercício das novas funções que nesta cerimónia iniciam.

 

Hoje é o princípio de uma nova etapa e não o fim de um caminho.

Hoje não atingiram uma qualquer meta, mas aceitaram um desafio exigente.

Hoje assumiram novas responsabilidades por vossa vontade e mérito.

Depois de tantas e sucessivas tomadas de posse em tribunais judiciais, indexadas invariavelmente a uma geografia indicadora do lugar de exercício, a última que agora tem lugar prescinde dessa anotação territorial.

Se atentarem, pela primeira vez, que será cronologicamente a derradeira na ordem dos tribunais judiciais, o lugar empossado não contém a designação de uma comarca, de um distrito judicial ou de uma região, mas afirma-se simplesmente por uma posição de hierarquia: Supremo Tribunal de Justiça.

E esta é a primeira particularidade que assinala este dia diferente.

 

Se em todas as posses anteriores afirmaram solenemente cumprir lealmente a função de aplicar a lei aos casos concretos, a posse hoje tomada sublinha que essa aplicação da lei, ao ser realizada em última instância, reclama um sentido de justiça mais apurado e mais responsável, por ser mais escutado e seguido.

As vossas decisões passam agora a ter um forte sentido orientador do direito a aplicar por todos os demais tribunais judiciais.

Este maior peso vai exigir uma maior reflexão, ponderação e uniformidade.

 

Há pouco também afirmaram administrar a justiça em nome do povo num salão de um conjunto arquitetónico estrategicamente instalado num Terreiro que foi do Paço e que apesar da mudança de nome pensada pelo Marquês do Pombal após o terramoto, até hoje nunca deixou de ser um símbolo do poder e da centralidade do Estado.

Fruto do triunfo dos ideais liberais, o Supremo Tribunal de Justiça foi colocado e sempre permaneceu, numa localização vigilante do exercício dos diferentes poderes que se foram sucedendo ao longo da história.

A intenção não passa despercebida.

Pretendeu-se dar aos cidadãos um sinal claro que não se encontravam indefesos perante a força dos poderosos e do Estado.

Ali, no coração do poder, num equilíbrio de pesos e contrapesos, sempre estariam juízes com a missão de fazer justiça em seu nome.

 

É, pois, neste lugar de romagem obrigatória de todos os que chegam à capital para poderem dizer que ali estiveram; neste lugar em que a luz é mais transparente; em que o espaço aberto convida a olhar o rio e a medir a distância a que fica a outra margem, que o desafio a quem hoje tomou posse é o de permanecer por mais um tempo.

Permanecer na resistência ao desgaste acumulado pela experiência.

Resistir à tentação de ver a novidade irrepetível de cada caso afundada nos muitos já julgados com a mesma matriz.

Encarar com resiliência o desânimo de esperar sentado pelas reformas do modo e dos meios de fazer justiça, como quem espera por Godot.

Aceitar, por uma última vez, não virar as costas à causa comum que desde a primeira posse foram ajudando a construir.

Enfim, fazer esperar o embarque para a outra margem e ficar nesta, na de cá, onde hoje, este ato solene que lembra todos os anteriores, toca a história pessoal de cada um, com a certeza de que se todos os momentos foram os de aplicar o direito, este, sem uma segunda oportunidade, é o de afirmar a justiça.

Parafraseando Rui Belo, que um dia se lembrou de prescrever um receituário para a desistência, com a sensatez paradoxal que é também privilégio dos poetas, talvez possam encontrar estímulo para poderem soletrar como texto interior da vossa tomada de posse:

“Feliz aquele que administra sabiamente a justiça e aprende a reparti-la pelos dias. Podem passar os meses e os anos, ela nunca lhe faltará”.

E, por isso, também nunca desistirá.

 

Lisboa, 29 de janeiro de 2025

João Cura Mariano, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

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