Celebramos hoje o Dia da Proteção de Dados neste encontro subordinado ao tema «Seis anos de RGPD – Balanço da (des)aplicação da lei nacional de execução e da lei sobre o tratamento de dados no sistema judicial».
É para mim um gosto e uma honra dar as boas-vindas a todos os intervenientes e a todos os que participam presencialmente e por via remota, num sinal do interesse que esta matéria desperta.
Num abrir e fechar de olhos decorreram mais de seis anos desde o início da aplicação do Regulamento Geral sobre a Proteção de Dados (RGPD), a 25 de maio de 2018.
Entretanto, o recente Regulamento da Inteligência Artificial entrou para a família dos diplomas que protegem os direitos fundamentais dos cidadãos nos tempos modernos e desviou os olhares (e alguns orçamentos) das organizações.
Mas não afetou a relevância do RGPD.
Existe uma dialética clara entre os dados pessoais, enquanto permitem o desenvolvimento de sistemas de inteligência artificial e são também por estes gerados e trabalhados.
Os três «Vês» – volume, velocidade e variedade – caracterizam a explosão informacional dos nossos dias.
Surgem formas mais complexas de reprodução artificial da capacidade de raciocínio humano.
O acesso ao big data facilitou a aceleração desta evolução, com o predomínio da investigação centrada em algoritmos que, acedendo a tais informações, aprendem com base em exemplos, gerando o seu próprio conhecimento.
Há seis anos, a União Europeia deu este passo de gigante rumo à proteção da privacidade e dos dados pessoais.
O RGPD representou um marco de mudança de mentalidades e valores, obrigando ao cumprimento de regras mais rigorosas e uniformes de forma transversal pela Europa e até mesmo por todo o mundo.
E o que dizer da legislação nacional?
Segundo o artigo 97.º do RGPD, os Estados-Membros são obrigados a alterar ou revogar a legislação nacional em matéria de proteção de dados em conformidade com o Regulamento para assegurar a harmonização do Direito Europeu nesta matéria.
No que toca ao sistema judicial, o regime jurídico aplicável ao tratamento de dados, já havia sido aprovado pela Lei n.º 34/2009, de 14 de julho, anterior ao RGPD, pelo que tal diploma está naturalmente desatualizado e a carecer de uma revisão urgente, sendo uma peça de museu.
Com esse objetivo antes de terminar o período transitório previsto no artigo 99.º do RGPD, o Conselho Superior da Magistratura, o Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e a Procuradoria-Geral da República subscreveram um documento conjunto em que adiantaram as linhas mestras das profundas alterações a efetuar àquele diploma.
Em 19 de junho de 2019 foi aprovada uma proposta de lei de alteração da Lei n.º 34/2009, a qual, contudo, previa inadmissíveis compressões do poder judicial.
Mas em 26 de julho de 2019, o Presidente da República, acolhendo a pronúncia do Conselho Superior da Magistratura e da Procuradoria Geral da República, exerceu o direito de veto, devolvendo sem promulgação este Decreto para que a Assembleia da República pudesse, nas palavras do Presidente, «proceder à sua reapreciação, ponderando as alterações que correspondam à garantia de não interferência nas áreas específicas de natureza jurisdicional e do Ministério Público, no exercício das suas funções e competências processuais».
Passados mais de 5 anos, em mais uma demonstração da inércia do poder legislativo não foi apresentada na Assembleia da República qualquer proposta de alteração que suprisse as deficiências apontadas no veto presidencial.
Durante este tempo de espera, o Conselho Superior da Magistratura decidiu constituir um Grupo de Trabalho com o objetivo de elaborar um projeto de alteração do referido regime jurídico.
O projeto acolheu os contributos do Conselho Superior dos Tribunais Administrativos e Fiscais, do Tribunal de Contas e da Procuradoria-Geral da República e foi aprovado, a 7 de novembro de 2023, pelo Plenário do Conselho Superior da Magistratura, tendo sido entregue a quem tem o poder de iniciativa legislativa.
Neste tempo de espera infinito importa irmos falando sobre a aplicação ou a desaplicação das Leis Nacionais sobre a proteção de dados pessoais, na esperança de que quem está em falta nos ouça.
E não só de leis, mas também da imperiosa mudança de “cultura” das organizações públicas e privadas, que se habituaram a fazer o que sempre foi feito, porque sempre foi feito assim.
E ainda do papel dos tribunais na importante tarefa de harmonizar o direito fundamental à proteção de dados com outros direitos fundamentais.
Dissipada a nuvem do não saber, há que assumir o desafio da conformidade com o RGPD não só como obrigação legal, mas como uma componente essencial da ética na era da inteligência artificial.
Espero que esta mesa-redonda seja proveitosa e seja mais uma pequena luz que no firmamento ilumine o caminho no sentido de uma segura e efetiva proteção dos dados pessoais.
Lisboa, 28 de janeiro de 2025
João Cura Mariano, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
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