O Círculo Cultural do Supremo Tribunal de Justiça, evidenciando mais uma vez o seu dinamismo, promoveu e organizou uma Conferência sobre um tema que domina a ordem do dia da agenda da Justiça – a reforma do processo penal.
O atual Código, apesar de ter sofrido várias alterações pontuais desde a sua aprovação há quase 50 anos, não acompanhou as constantes evoluções sociais, tecnológicas e jurídicas, revelando-se nos dias de hoje insuficiente para dar uma resposta adequada ao fenómeno da criminalidade.
Alguns processos penais em Portugal, tendo sobretudo por objeto a criminalidade económico-financeira, prolongam-se por vários anos, comprometendo o direito à justiça em tempo útil e afetando profundamente a credibilidade do sistema judicial.
A morosidade do processo penal alimenta uma perceção pública de impunidade, transmitindo uma imagem, indevidamente amplificada, de ineficácia de todo o sistema judicial.
Por isso, uma reforma urgente, que torne o processo penal mais operacional, seria um importante contributo para restaurar a confiança plena da sociedade nos Tribunais, reforçando a importância de vivermos num Estado de direito democrático.
Recentemente, um grupo de trabalho criado pelo Conselho Superior de Magistratura, apresentou uma proposta de reforma do Processo Penal, fundamentada e alicerçada numa análise objetiva da realidade processual.
Essa proposta, intitulada “Megaprocessos e Processo Penal. Carta para a celeridade e melhor justiça” inclui dezenas de alterações legislativas e organizacionais, visando não só conferir aos tribunais os meios adequados para agilizar a tramitação dos processos de maior complexidade, mas também introduzir aceleradores em todos os processos penais.
Estamos perante o projeto mais estruturado e avançado para uma reforma imediata e urgente do processo penal, devendo constituir a base de trabalho de uma primeira e rápida intervenção legislativa.
Sinal da sua importância foram as múltiplas reações e o debate vivo e intenso que a sua apresentação pública gerou na comunidade jurídica, apesar de lhe terem sido imputadas soluções que não continha e de terem sido ignoradas muitas das suas melhores medidas.
Claro que há outras problemáticas sobre as quais este estudo, prudentemente, não se pronunciou, e que exigem uma reflexão mais aprofundada e decisões políticas maduras, como sejam os temas da delação premiada, da pena negociada, da execução da decisão condenatória antes do seu trânsito em julgado, ou da criação de um tribunal vocacionado para os julgamentos mais complexos.
Após um intervalo inesperado, vamos aguardar, com esperança, a estabilização do nosso sistema político, com a eleição de uma nova composição da Assembleia da República e a aprovação de um novo Governo para que se possa então iniciar o necessário processo de revisão da legislação processual penal com a nomeação pelo titular da pasta da Justiça de uma Comissão com esse objetivo.
Será preferível realizar, num tempo breve, uma primeira reforma com um conjunto de medidas que agilizem a tramitação dos processos, designadamente os mais complexos, partindo da proposta do referido Grupo de Trabalho e só, num segundo momento, com mais tempo, pensar-se na introdução de reformas estruturais ao processo penal.
Atenta a matéria em causa a composição dessa Comissão deve privilegiar a participação de juízes, procuradores e advogados, pelo melhor conhecimento que têm da realidade processual, não devendo ser dominada por debates académicos.
Hoje, numa sala adequada à importância do assunto, atenta a especial qualidade dos oradores previstos, será hoje, também aqui, dado mais um importante contributo para a modernização do processo penal.
Agradeço aos meus colegas Carlos Lobo e Helena Susano, que diariamente trabalham com a realidade a modificar, por se terem disponibilizado a transmitir as suas ideias reformistas e muito especialmente ao Dr. José António Barreiros, por ter acedido a partilhar connosco o seu imenso saber e inteligência numa matéria a que tem dedicado grande parte da sua vida.
Será seguramente uma tarde proveitosa.
Muito obrigado a todas e a todos pela vossa presença e participação.
Lisboa, 23 de abril de 2025
João Cura Mariano, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
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