“A importação e detenção de vários ficheiros de conteúdo pornográfico de menores com idades inferiores a 16 e a 14 anos de idade integra um único crime de pornografia de menores agravado, p. e p. pelo artigo 176.º n.º 1, al. c) e artigo 177.º, n.º 7 do Código Penal.”
Sumário
I – Na tipificação do n.º 1 do art. 176.º do CP, ao nível do bem jurídico protegido, importa distinguir as várias situações aí previstas. Assim, as als. a) e b), as quais implicam um contacto directo com menor, protegem um bem jurídico pessoal (liberdade e a autodeterminação sexual) e as als. c) e d), as quais não implicam contacto directo com menor, protegem um bem jurídico supra-individual ou comunitário (proibição do comércio e proliferação de material pornográfico com menores) e indirectamente a liberdade e a autodeterminação sexual do menor.
II – O crime de trato sucessivo é uma figura jurídica criada pela jurisprudência e pela doutrina, associado a uma actividade criminosa (inicialmente criado para o tráfico de estupefacientes), na qual é difícil quantificar ou isolar os actos criminosos praticados pelo agente e na qual não se verificam os pressupostos do crime continuado.
III – A nível jurisprudencial, admitindo-se o crime de trato sucessivo, a sua caracterização, para uns, assenta numa “unidade resolutiva” e para outros deve resultar da “reiteração” dos actos praticados que devem resultar da estrutura do tipo legal. A construção da figura do crime de trato sucessivo assenta, pois, numa unidade resolutiva, a qual tem como pressuposto uma actividade.
IV – Tal como no tráfico de estupefacientes, as als. c) e d) do n.º 1 do art. 176.º do CP, estão estruturadas por referência a várias actividades e modalidades de acção. Na al. c) estão em causa as actividades de “Produzir, distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir, ceder ou disponibilizar a qualquer título ou por qualquer meio” materiais pornográficos e na al. d) as actividades de “Adquirir, detiver ou alojar materiais previstos na al. b) com o propósito de os distribuir, importar, exportar, divulgar, exibir ou ceder”, os mesmos materiais pornográficos.
V – Sendo a estrutura do crime de tráfico de estupefacientes e do crime de pornografia de menores, p. e p. nas als. c) e d) do art. 176.º do CP idêntica, nada justifica um tratamento diverso do ponto de vista do concurso, porquanto nenhum deles protege directamente bens eminentemente pessoais.
IV – Em todos os crimes tipificados por referência a actividades, nos quais estejam em causa várias modalidades de acção e actos reiterados e quando não estejam em causa, ao nível do bem jurídico, bens eminentemente pessoais, nada obsta a que os mesmos sejam considerados um único crime de trato sucessivo.
Nuno Gonçalves (Presidente da secção)