I – Não é admissível o documento que foi junto ao processo de recurso para o STJ, em véspera da realização da conferência, numa clara violação da norma processual – art.º 165.º n.º 1, do CPP, não sendo possível, sequer, realizar-se o contraditório – art.º 165.º, n.º 2.
II – É admissível o recurso para o STJ, na sequência de recurso interposto para o tribunal da Relação que efectuou a alteração dos pressupostos a partir dos quais a 1ª instância absolvera o recorrente, designadamente alterando a matéria de facto fixada, julgando procedente o recurso e revertendo a absolvição decidida pelo tribunal de 1.ª Instância, condenando-o pela prática de um crime de homicídio negligente, p. e p. nos termos do art.º 137.º, n.º1 do CP.
III – O que releva em sede de alteração da matéria de facto não é o acerto material do juízo sobre as questões resolvidas, mas se a decisão expressa, de modo suficientemente claro e congruente, as razões por que se decidiu em determinado sentido. Manifesto é que o acórdão recorrido não padece de qualquer um dos vícios previstos no art.º 410.º, n.º 2, do CPP, mostrando-se suficientemente fundamentado, não sofrendo de qualquer nulidade prevista no art.º 379.º, com referência ao art.º 374.º, ambas as disposições do CPP.
IV – Saber se um concreto facto integra um conceito de direito ou assume feição conclusiva ou valorativa constitui, ainda, questão que cabe na competência do STJ como tribunal de revista, na medida em que a sua apreciação não envolva um juízo sobre a idoneidade da prova produzida para a demonstração ou não desse facto, enquanto realidade da vida juridicamente relevante, ou sobre o acerto ou desacerto da decisão que o teve por provado ou não provado.
V – Trata-se de sindicar o uso que o tribunal de recurso faz dos seus poderes de reapreciação, não o acerto ou desacerto do seu julgamento quanto a saber se o facto está ou não provado. Não pode, pois, rejeitar-se sem mais, a pretexto de que se trata de matéria excluída do âmbito dos poderes de cognição, ao abrigo do art.º 434.º, do CPP, a crítica formulada pelo recorrente à exclusão dos factos alegadamente conclusivos.
VI – Só se tratará de matéria excluída do âmbito dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de justiça se essa exclusão não for puramente categorial, isto é, se sob essa qualificação se contiver a expressão de um juízo probatório diverso do da sentença ou uma diferente conclusão de facto emergente de valoração do conjunto da prova.
VII – A aplicação do princípio in dúbio pro reo, só pode ser sindicada se o recorrente indicar, como lhe competia, em que consistiu a violação imputada ao acórdão recorrido. Se, tal não ocorre, impossibilitando o Supremo Tribunal de aferir em que termos se verificou o eventual estado de dúvida insuperável do tribunal a quo, perante algum facto e que, nesse estado dedúvida, decidiu contra o arguido recorrente, não se verifica fundamento na invocação da violação desse princípio.
VIII – O tipo de ílicito negligente materializa-se na violação do dever objectivo de cuidado a que o agente está obrigado e de que é capaz. Nos crimes de resultado, como é o que agora está em consideração, os deveres de cuidado são concretizados pelas normas jurídicas respeitantes à actividade em causa porventura existentes – que podem ser de fonte legal, regulamentar (normação técnica incluída) ou estatutária – bem como, pelas regras de prudência comum idóneas a evitar a produção do resultado proibido ou, dito de outro modo, a criação da situação de perigo para o bem jurídico emergente da conduta do agente que se vem a concretizar na sua lesão.
IX – Para que a infracção a determinada norma seja, objectivamente, constitutiva de negligência é, desde logo, necessário que a evitação do resultado, no modo como se produziu, se compreenda no âmbito de protecção da norma de conduta infringida. Ora, a falta de matrícula não agrava o risco para o bem jurídico lesado, não podendo considerar-se causa adequada do resultado.
X – A circulação do veículo do tipo empilhador em vias públicas está sujeita às regras do Código da Estrada, designadamente, entre outras, as reguladas nos artigos 57.º, n.º 1, 66.º, e art.º 76.º.
XI – As passadeiras são zonas de passagem nas vias públicas por onde se realiza o trânsito de peões, estando nelas interdita a circulação de veículos – art.º 99.º , n.º 1, e art.º 104.º, a contrario, ambos do CE.
XII – Nos termos do art.º 135.º, n.º 3, al. a), do CE, a responsabilidade pelas infrações previstas no Código da Estrada e legislação complementar, e que respeitem ao exercício da condução, recai no condutor do veículo, sendo que “(…) o desrespeito das regras e sinais relativos a (…), mudança de direção ou de via de trânsito, (…), posição de marcha, (…)” e “A não utilização do sinal de pré-sinalização de perigo e das luzes avisadoras de perigo;” o faz incorrer na prática de contraordenações graves, p. e p, nos termos do art.º 145.º, n.º 1, als. f) e m), do Código da Estrada.
XIII – Independentemente de a faixa marcada no chão ser uma passadeira, certo é que a mesma era uma passadeira para peões e não uma passadeira para veículos a motor, ali não se mostrando estar colocada, sequer, qualquer sinalização de estrada que pudesse prevenir e alertar os restantes condutores de que nela podia circular um veículo do tipo do empilhador.
XIV – Os eventuais licenciamentos concedidos pelo Município ou as autorizações de utilização do veículo em causa, concedidas pela entidade patronal, apenas podem diminuir a culpa do arguido, mas não o desresponsabilizam, enquanto condutor do veículo. O condutor do veículo tem autonomia técnica na condução do veículo e não pode invocar uma ordem da entidade patronal que colida com os cuidados a que está obrigado a observar no âmbito da sua condução de veículos – art.º 103.º do CE.
XV – O que está em causa no homicídio negligente não é uma responsabilidade directa pelo evento, mas uma responsabilidade por violação do dever objectivo de cuidado que, no caso, não é o dever de prudência comum é o dever específico imposto pelo do CE, na condução de veículos a motor.