O presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) atribuiu o adiamento da reforma do Código Civil a uma falta de interesse político nesse processo nos últimos 20 anos. João Cura Mariano falava na sessão de abertura do colóquio “Direito dos contratos: perspetivas de futuro. Diálogos sobre a Propuesta de modernización del Código Civil”, organizado pela Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa e pela Universidade de Santiago de Compostela, que decorreu nos dias 5 e 6 de dezembro, em Lisboa.
O objetivo do evento foi fomentar o diálogo entre juristas ibéricos sobre a proposta de modernização do Código Civil espanhol ao nível do direito das obrigações, mais especificamente no domínio contratual, e João Cura Mariano aproveitou a oportunidade para tecer algumas ideias sobre a conveniência de uma reforma do Código Civil Português, tal como, aliás, já fizera aquando da sua tomada de posse, em junho.
Comparado com o Código Civil espanhol, que data de 1889, o congénere português é “um jovem sexagenário” que, nota o presidente do STJ, embora seja “quase unanimemente considerada a maior realização da Ciência Jurídica Portuguesa”, revela-se cada vez mais desfasado das novas realidades sociais e económicas.
João Cura Mariano sustenta esta afirmação com as dificuldades que lhe foram surgindo, no dia-a-dia de juiz nos tribunais por onde passou, quando em muitos casos as soluções consagradas no Código Civil já não refletiam os sentimentos nem os interesses da comunidade. As mudanças sociais, económicas, culturais e tecnológicas dos últimos 60 anos, aliadas a uma “intensa produção civilística dispersa, com significativa intervenção dos órgãos da União Europeia, não permitem que se continue a adiar uma reforma inevitável”, disse.
Recordou que em 2003 o Ministério da Justiça celebrou um protoloco com as principais faculdades de Direito para se aferir a necessidade ou conveniência em alterar o Código Civil. Apesar de as faculdades terem respondido ao repto e cumprido o caderno de encargos através da elaboração de relatórios preliminares – onde manifestaram unanimemente a opinião de que a reforma do Código Civil era conveniente – a iniciativa não foi além disso.
“A ausência de um mínimo interesse político nessa reforma ditou a sua morte à nascença e a mesma ausência explica que dela nunca mais se tenha falado nos 20 anos seguintes. É uma reforma com objetivos tão diferenciados que não é suscetível de ser apreendida pela opinião pública, não tem repercussões imediatas nem no PIB nem no saldo das contas públicas, não gera qualquer curiosidade mediática e a sua concretização exige um período de tempo que não permite a quem a inicie exibir o seu resultado final”.
Sendo difícil que se repita a feliz coincidência que se verificou com o Código Civil de 1966, em que dois professores de Direito Civil, Vaz Serra e Antunes Varela, exerceram o cargo de ministro da Justiça na altura do início (o primeiro) e da conclusão (o segundo) dos trabalhos daquela diploma, João Cura Mariano duvida que a reforma do documento esteja no horizonte próximo do poder político.
Desafiou, no entanto, aqueles que lidam diariamente com este ramo do Direito, a alertar os legisladores para que se inicie com urgência um processo de revisão que se prevê longo.
Também participaram no colóquio a Conselheira Maria dos Prazeres Beleza, como moderadora de um painel sobre Deveres Pré-Contratuais, e o Conselheiro Nuno Manuel Pinto Oliveira, como coordenador científico.
Pode consultar todo o programa aqui e a intervenção do Presidente do STJ aqui.
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