João Cura Mariano, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ), voltou ontem a alertar para a ameaça que o curto tempo de permanência dos juízes no Supremo Tribunal de Justiça representa para a qualidade da jurisprudência.
No seu discurso na cerimónia de tomada de posse de oito novos Juízes Conselheiros, o Presidente do STJ disse que o envelhecimento do quadro nacional dos juízes dos tribunais judiciais é uma realidade com tendência a agravar-se e ilustrou a situação com números: em menos de quatro meses, o STJ mudou 1/4 dos juízes de carreira que o integram e, dos atuais 46 juízes Conselheiros oriundos das duas magistraturas, 34 reúnem os requisitos de idade e tempo de serviço para se reformarem. Além disso, dos 17 juízes que ainda sobram da graduação que resultou do último concurso para o STJ, 12 também já estão em idade de se reformarem.
Vincou ser urgente o “rejuvenescimento do quadro de Juízes Conselheiros visando uma maior permanência nas funções”, sendo para tal necessária “uma urgente alteração legislativa às regras de acesso ao STJ que constam do Estatuto dos Magistrados Judiciais e que, logo, exigem a intervenção da Assembleia da República”.
João Cura Mariano, que já entregou ao Governo um projeto que prevê que juízes das Relações com idades mais baixas possam ingressar nos quadros do Tribunal de modo a garantir estabilidade à sua composição, disse que a ministra da Justiça encara esta alteração (tal como ocorreu com a lei de acesso ao CEJ) como urgente e pretende convertê-la numa proposta de lei a submeter à AR.
Para o Presidente do STJ, é importante que isso suceda antes do próximo concurso de acesso ao Tribunal e teme que uma eventual dissolução da AR possa adiar “o tão necessário conjunto de reformas na área da justiça e colocar este STJ na inédita situação de não dispor de um número mínimo de juízes que assegurem o seu regular funcionamento”.
Outra preocupação que o Presidente já expressara antes prende-se com as competências do STJ em matéria de recursos. Cura Mariano diz que os juízes “desperdiçam a maior parte do seu tempo com tarefas próprias de um secretariado ou de um serviço de assessoria e a decidir questões desprovidas de uma relevância que justifique a sua intervenção qualificada”.
Voltando aos números, João Cura Mariano consultou as estatísticas de 2023 e constatou que a cada juiz do STJ foram distribuídos, como relator ou adjunto, em média, 150 recursos. Tendo em conta os dias do ano e descontando os de férias, concluiu que cada Conselheiro tem menos de dois dias para decidir cada recurso. “Este volume de recursos tem como consequência a ausência do tempo de estudo, de reflexão e de discussão colegial, absolutamente necessários ao desempenho pelos juízes”.
Sugeriu que Portugal deve acompanhar a tendência dos países europeus onde se tem abandonado o sistema da tripla jurisdição, atribuindo-se aos Supremos Tribunais a última palavra nos casos em que as questões a decidir tenham um “excecional relevo jurídico ou social”. Adiantou ainda que “num espírito de colaboração com os órgãos dotados de poder legislativo, os juízes do STJ já deram início a um trabalho de reflexão e discussão interna sobre uma reforma parcelar do regime de recursos para este Tribunal, quer no Código do Processo Civil, quer no Código do Processo Penal, a qual deve anteceder uma revisão global destes diplomas, que simplifique toda a tramitação processual”. Prometeu notícias sobre os resultados destes trabalhos para breve.
Tomaram posse como Juízes Conselheiros, Anabela Luna de Carvalho, Orlando dos Santos Nascimento, Cristina Coelho, Teresa Albuquerque, Carlos Lobo, Rui Machado e Moura, Luís Teixeira e Jorge Raposo.
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