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Intervenção na Tomada de Posse de 8 novos Conselheiros

03 Out 2024

Senhor Presidente Emérito do Supremo Tribunal de Justiça, Juiz Conselheiro Henrique Araújo

 

Ilustres Convidados

 

Senhoras e Senhores Conselheiros

 

Minhas Senhoras e meus Senhores

 

Assistimos hoje à tomada de posse de oito novos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça.

Começo por felicitar os Senhores Juízes Conselheiros Anabela Luna de Carvalho, Orlando dos Santos Nascimento, Cristina Coelho, Teresa Albuquerque, Carlos Lobo, Rui Machado e Moura, Luís Teixeira e Jorge Raposo.

Após toda uma vida dedicada à nobre missão de pacificar a vida em sociedade, exercida nos mais diversos tribunais da 1.ª instância e da Relação, são agora chamados a desempenhar funções naquela que é a mais alta instância do poder judicial.

Relembra-se que reside no Supremo Tribunal de Justiça, enquanto órgão estrategicamente colocado no vértice superior da pirâmide dos tribunais judiciais, a principal responsabilidade pela qualidade, a coerência e o prestígio da Justiça, atributos sem os quais um regime dificilmente se pode afirmar como democrático.

Adivinho, por isso, o estado de alma que vos invade neste momento.

Num mix de sentimentos, entrecruzam-se a satisfação pelo reconhecimento do vosso mérito, a nostalgia de quem guarda na memória todas as etapas de um passado longo, alguma apreensão por uma responsabilidade acrescida e a ansiedade de enfrentar aquele que é, provavelmente, um último desafio profissional.

Estou seguro que irão colocar todas as vossas energias, o vosso saber e dedicação ao serviço do prestígio e da credibilidade que este tribunal mantém na comunidade em quase dois séculos de história e que contribuirão para que o Supremo Tribunal de Justiça possa permanecer, hoje num momento particularmente difícil, como um poder sereno na definição de um direito justo, em tempos incertos.

Para aqueles que estavam neste Salão Nobre quando em Junho tomei posse como Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, certamente se lembrarão as razões pelas quais este Tribunal vive uma conjuntura preocupante.

Na altura, alertei para a circunstância da atual permanência dos juízes no Supremo Tribunal de Justiça equivaler ao tempo de vida de uma libelinha, o que resultava numa ameaça muito séria à qualidade e coerência da jurisprudência.

Fruto do envelhecimento do quadro nacional dos juízes dos tribunais judiciais, como então referi, essa era uma realidade com tendência a agravar-se até ao limite do caricato.

Se nada fosse feito, é previsível que o Supremo Tribunal de Justiça passe a funcionar como um guichet de uma qualquer repartição pública onde os juízes em final de carreira vêm apenas entregar o seu pedido de jubilação.

Sem querer ensombrar esta cerimónia, não posso deixar de apontar que a tomada de posse de 11 juízes conselheiros, durante o habitualmente apático período de verão, revela bem o dramatismo da situação.

Em menos de quatro meses o Supremo Tribunal de Justiça, mudou 1/4 dos juízes de carreira que o integram, e dos atuais 46 juízes conselheiros oriundos das duas magistraturas, 34 reúnem os requisitos de idade e tempo de serviço para se reformarem.

Acresce que dos 17 juízes que ainda sobram da graduação que resultou do último concurso para o Supremo Tribunal de Justiça, 12 também já têm uma idade que lhes confere o direito a reformarem-se.

Só o espírito de dedicação à causa pública e a consciência cívica de muitos dos que que aqui julgam têm impedido que, subitamente, o país acorde com um Supremo Tribunal de Justiça sem juízes.

O urgente rejuvenescimento do quadro de juízes conselheiros, visando uma maior permanência no exercício de funções, só poderá ser alcançado, com uma urgente alteração legislativa às regras de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça que constam do Estatuto dos Magistrados Judiciais e, por isso, exigem a intervenção da Assembleia da República.

Já foi entregue ao Governo um projeto que através de um alargamento considerável do leque de concorrentes ao Supremo Tribunal de Justiça permita que juízes das Relações com idades mais baixas possam ingressar nos quadros do Supremo Tribunal de Justiça, garantindo o mínimo de estabilidade à sua composição.

A Senhora Ministra da Justiça transmitiu-me que, tal como já ocorreu com a Lei de Acesso ao CEJ, o Governo encara esta alteração legislativa como uma prioridade urgente e muito brevemente a converterá numa Proposta de Lei a submeter à Assembleia da República, de modo a que ela seja aprovada a tempo de regular o próximo concurso de acesso ao Supremo Tribunal de Justiça.

Confio que uma desejável maturidade democrática dos nossos dirigentes políticos evite que, entretanto, ocorra uma terceira dissolução da Assembleia da República num curto período temporal, a qual, a verificar-se, adiaria mais uma vez o tão necessitado conjunto de reformas na área da justiça e colocaria este Supremo Tribunal na inédita situação de não dispor de um número mínimo de juízes que assegurassem o seu regular funcionamento.

Seria um rude golpe na credibilidade das instituições democráticas, neste caso ferindo de morte o Supremo Tribunal de Justiça.

A vivência preocupante desta situação de emergência não nos deve, porém, fazer esquecer a necessidade de olhar e repensar as competências do Supremo Tribunal de Justiça em Portugal em matéria de recursos, redirecionando o paradigma da sua intervenção.

Os juízes do Supremo Tribunal de Justiça desperdiçam a maior parte do seu tempo com tarefas próprias de um secretariado ou de um serviço de assessoria e a decidir questões desprovidas de uma relevância que justifique a sua intervenção qualificada.

Consultando as estatísticas do ano de 2023 constata-se que a cada juiz do Supremo Tribunal de Justiça foram distribuídos, como relator ou adjunto, em média, 150 recursos.

Tomando em consideração os dias úteis de um ano e descontado o período de férias, conclui-se que cada juiz conselheiro, em média, decide cada recurso em menos de 2 dias.

Este volume de recursos, aliado à insuficiência manifesta dos serviços de apoio ao trabalho dos juízes, com causas orçamentais, tem como consequência a ausência do tempo de estudo, de reflexão e de discussão colegial, absolutamente necessários ao desempenho pelos juízes conselheiros daquela que deveria ser a sua apreciação dos recursos atualmente interpostos.

Desde há muito que paulatinamente foi abandonado nos países europeus um sistema da tripla jurisdição no julgamento dos litígios pelos tribunais, atribuindo-se aos Supremos Tribunais a última palavra.

Se o direito ao recurso para um tribunal superior, como regra sujeita a exceções, constitui uma garantia integrante do modelo do processo equitativo, o ritmo das sociedades modernas não tolera que a resolução de um qualquer conflito aguarde a demorada tramitação e pronúncia de três instâncias distintas.

O Supremo Tribunal de Justiça, para além das situações em que o direito de defesa penal imponha a sua intervenção, deve estar reservado à importantíssima missão de uniformizar a jurisprudência divergente e de emitir a última palavra nos casos em que as questões a decidir revistam um excecional relevo jurídico ou social.

Apenas nessas situações se justifica que se ouça a sua voz liderante, na definição do direito aplicável, conferindo segurança e estabilidade à jurisprudência, numa atenção permanente, mas cuidada, a novas perspetivas e valorações que uma vida em acelerada mudança coloca.

Só com este modelo, e com um corpo de assessoria e secretariado robusto, é possível corresponder às exigências de uma justiça mais célere e, por isso, eficaz, se dignifica o papel dos tribunais de 2.ª instância e se possibilita que os Supremos Tribunais possam exercer, com qualidade, a sua importante missão num estado de direito democrático.

Num espírito de colaboração com os órgãos dotados de poder legislativo, os juízes do Supremo Tribunal de Justiça já deram início a um trabalho de reflexão e discussão interna sobre uma reforma parcelar do regime de recursos para este Tribunal, quer no Código de Processo Civil, quer no Código de Processo Penal, a qual deve anteceder uma mais demorada, mas igualmente necessária, revisão global destes diplomas, que simplifique e acelere toda a tramitação processual.

Brevemente será dada notícia do resultado final destes trabalhos.

Não queria também deixar dar nota que se iniciou uma nova política de comunicação e divulgação das decisões do Supremo Tribunal de Justiça com vista a conferir a maior transparência à sua atividade.

Num espaço de destaque no site deste Tribunal, uns escassos dias após a sua aprovação, já começaram a ser publicitadas e disponibilizadas as decisões mais relevantes, assim como serão objeto de divulgação imediata aos órgãos de comunicação social as decisões com interesse mediático.

Numa outra vertente, também já se iniciou o estudo de medidas que visem tornar mais acessível ao público a leitura das decisões, procurando-se que a sua apresentação facilite a sua leitura e que a sua fundamentação combine uma maior concisão com uma maior clareza.

Também nestes domínios o Supremo Tribunal de Justiça deve ser um exemplo para os restantes tribunais.

Regressando à cerimónia que hoje nos juntou no Salão Nobre do Supremo Tribunal de Justiça, resta-me desejar aos novos Juízes Conselheiros, as maiores felicidades num lugar pleno de desafios, num tempo de grandes incertezas.

São muito bem-vindos.

 

 

 

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