fundo

Posse dos juízes do 36º Curso de Formação de Magistrados para os Tribunais Judiciais

06 Set 2023

– Senhora Ministra da Justiça (Excelência)
– Senhor Diretor do Centro de Estudos Judiciários
– Senhores Vice-Presidentes do Supremo Tribunal de Justiça
– Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura
– Senhor Procurador-Geral Adjunto Coordenador, no STJ
– Senhoras e Senhores Magistrados Judiciais e do Ministério Público
– Senhores Presidentes de Comarca
– Senhor Inspetor Judicial Coordenador
– Senhor Coordenador do Departamento da Formação CEJ
– Senhora Secretária-Geral da ASJP
– Minhas Senhoras e Meus Senhores

 

Não há melhor maneira de recomeçar a atividade, após as férias judiciais de Verão, do que conferir posse aos novos juízes saídos do 36º curso normal do Centro de Estudos Judiciários.

Este momento, tão ansiosamente esperado por todos vós, é também um momento importante para a Justiça portuguesa que vê, neste ato de posse, o fortalecimento da esperança numa Justiça que corresponda aos que os cidadãos dela legitimamente esperam.

Felicito-vos por terem conseguido ultrapassar todas as dificuldades com que se defrontaram no exigente período de formação e permitam-me que comungue da vossa alegria neste momento inolvidável para as vossas vidas.

Chegou finalmente o tempo de colocarem em prática o que aprenderam e de se unirem a nós, Colegas mais velhos, no esforço contínuo de bem servir a comunidade e de prestigiar a Justiça portuguesa.

A experiência diária e real nos tribunais vai equipar-vos com mais conhecimento e dar seguimento a um processo de crescimento profissional que se pretende seja consequente e bem sucedido.

Todos conhecemos as exigências desta profissão, tanto no plano deontológico como no plano da postura e comportamento social.

Sabemos igualmente que a atividade judicativa está sujeita a um forte escrutínio social e mediático.

Reconheço, por isso, que o alargado conjunto de deveres estatutários e deontológicos indispensáveis à preservação da imagem da judicatura e a pressão resultante de uma constante vigilância da atuação funcional podem ter um efeito desmobilizador, contribuindo para a sistemática redução de candidatos à magistratura.

Sendo este um problema que requer atenção e a adoção de medidas eficazes para infletir essa tendência, podemos, para já, olhar para o lado positivo desse mesmo problema encarando-o no sentido de que só se candidata ao ingresso na magistratura judicial quem, apesar de tudo, se sente efetivamente vocacionado para exercer esta importante função.

Caros Colegas:

Tinha muito para vos dizer a partir do meu testemunho como juiz ou do exemplo de tantos outros Colegas que se apaixonaram por esta profissão.

O tempo e a circunstância não são, todavia, os mais apropriados.

Dir-vos-ei, ainda assim, que o desempenho da magistratura judicial é fonte de enorme gratificação pessoal, não só pela perceção da essencialidade do serviço de justiça para a comunidade, mas também pela própria experiência adquirida na compreensão e resolução dos problemas que somos chamados a decidir diariamente.

Não é, todavia, possível esconder que o contexto social em que ireis iniciar funções atingiu um nível de complexidade sem paralelo.

A irracionalidade, a intolerância, o radicalismo, o individualismo, os discursos de ódio espalhados pelas redes sociais, as acrescidas dificuldades das famílias e a desesperança quanto a um futuro melhor afetam os comportamentos sociais e geram como que um sentimento de incompreensibilidade em relação ao que se passa ao nosso redor.

 

O Direito e a Justiça assumem-se, como nunca, como abrigos da normalidade social, da segurança e da estabilidade na vida dos cidadãos e das instituições.

Em épocas críticas como a que vivemos, o papel dos tribunais revela-se, por isso, ainda mais fundamental e decisivo.

As respostas do sistema judicial carecem, no entanto, de condições suficientes de operacionalidade.

E a verdade é que, em muitos tribunais, elas não existem.

Faltam meios materiais, as instalações são exíguas ou indignas e os recursos humanos insuficientes.

 

Num recente trabalho realizado pelo Conselho Superior da Magistratura a partir dos relatórios apresentados pelos Senhores Presidentes Comarca, foi identificada uma longa série de constrangimentos relacionados com o estado das instalações e dos equipamentos.

A falta de recursos humanos é também evidente e crónica. Faltam magistrados, funcionários e assessorias.

Por isso, quando falta quase tudo ou, pelo menos, muito do que seria desejável para um exercício condigno, o que se vos pede é esforço, perseverança, alguma criatividade e, sobretudo, um grande investimento nas relações interpessoais com os outros operadores judiciários e restantes colegas.

 

Acreditem que o diálogo e a cooperação fazem milagres!

Seja-me permitido nesta breve alocução chamar a atenção para um aspeto que não me canso de assinalar.

Refiro-me, obviamente, à independência do poder judicial.

Só a independência dos tribunais e dos juízes garante o cumprimento da Constituição e a realização do Estado de Direito democrático.

Há formas cada vez mais encobertas e sofisticadas de interferência nessa independência.

Sob a inocente aparência de facilitação do trabalho do juiz e do aumento da sua produtividade, incrementa-se o uso de meios tecnológicos e transfere-se para o juiz a prática de uma série de atos que o amarram a uma rotina funcionalizante.

A ditadura digital, a introdução de ferramentas de inteligência artificial, a burocratização de atos processuais simples e a excessiva utilização de meios de comunicação à distância degradam o ambiente de atuação jurisdicional e concorrem para o afastamento progressivo do juiz em relação àquilo que é a essência do seu trabalho.

Por isso, peço-vos encarecidamente que não se deixem funcionalizar nem se autofuncionalizem.

Se é verdade que existem – como sempre existiram e continuarão a existir – tentativas vindas do exterior no sentido de condicionar o poder judicial e de o situar no mesmo patamar de funcionamento dos outros serviços públicos, existe também por parte de alguns magistrados uma certa propensão para se enredarem em minudências administrativas que acabam por os colocar nesse mesmo patamar.

O juiz tem de estar bem ciente de que lhe cabe a função soberana de julgar, de administrar a Justiça em nome do Povo. É nisso que deve estar focado.

E, ao julgar o caso concreto, é importante que não procure protagonismos e não se envolva em exercícios de grande erudição, porque aquilo que os cidadãos esperam da Justiça é que esta se realize através de decisões claras, fundamentadas e compreensíveis.

A escolha da solução mais justa para cada caso pressupõe, porém, que o juiz esteja informado do que se passa à sua volta, que conheça a vida real, que saiba como vivem e pensam os seus concidadãos.

O que quero dizer é que o juiz não deve fechar-se em si mesmo e na sua circunstância.

Só um juiz informado, que saiba ouvir e compreender, e que esteja atento à realidade pode fazer Justiça.

 

Estou certo de que o caminho que agora iniciais será bem sucedido, porque acredito que esta nova geração de magistrados judiciais saberá honrar a Justiça portuguesa.

 

Desejo-vos as maiores felicidades.

 

Lisboa, 6 de setembro de 2023

 

Henrique Araújo, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

 

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