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Abertura X Conferência do Fórum dos Presidentes dos Supremos Tribunais de Justiça dos Países e Territórios da Língua Portuguesa

06 Dez 2022

Começo por cumprimentar Vossa Excelência, Senhor Presidente da República de São Tomé e Príncipe, Carlos Vila Nova, e dizer-lhe do grande gosto que é para mim estar neste belíssimo País na companhia de tantos ilustres Colegas e amigos.

As relações ancestrais de profunda amizade e cooperação que unem os nossos dois povos, fazem-me sentir o conforto de quem está em sua casa.

Uma saudação especial ao meu homólogo são tomense, Juiz Conselheiro Manuel Cravid, cuja vontade em levar por diante este evento fez derrubar uma série de obstáculos que sempre foram surgindo.

Em nome de todos os participantes nesta 10ª Conferência, agradeço a calorosa receção que nos foi dispensada e que honra os nobres costumes deste hospitaleiro povo.

Dirijo também uma afetuosa saudação aos Presidentes dos Supremos Tribunais de Justiça de Cabo Verde, Guiné-Bissau e Timor-Leste, aqui presentes, e aos dignos representantes dos Supremos Tribunais do Brasil, Angola, Moçambique e Macau.

Cumprimento igualmente todos os palestrantes, moderadores e demais participantes desta conferência.

 

Excelências:

A pior fase da pandemia COVID 19 parece ter passado, mas, ainda assim, o mundo vive momentos de grande ansiedade e incerteza.

A invasão da Ucrânia pela Rússia, numa guerra que se arrasta há 10 meses, e o eclodir de vários conflitos regionais noutros continentes, lançam sombra espessa no futuro da humanidade.

A guerra, a fome e a devastação preenchem os noticiários diários e provocam desânimo nas pessoas.

Ao mesmo tempo, proliferam teorias nacionalistas que servem de semente a regimes autocráticos.

As vítimas são sempre as mesmas: os cidadãos comuns, aqueles que não ordenam as guerras nem instrumentalizam o poder; aqueles que sofrem com o desemprego, com a falta de recursos materiais, alimentos e cuidados de saúde; aqueles que não vêm chegar o amparo de que necessitam e vêm esfumar- -se a esperança num futuro melhor, a cada dia que passa; aqueles que vêm minguar os seus direitos cívicos e a sua liberdade.

É para proteção dessa massa humana anónima e para a tutela dos direitos fundamentais de todos que a compõem que o papel dos tribunais se revela insubstituível e vital neste momento histórico da humanidade.

Não há liberdade nem progresso sem uma justiça eficaz e independente.

Isso só é alcançável se o sistema judicial estiver devidamente desenhado e organizado no plano normativo.

É possível transpor para o campo da justiça o pensamento de Daniel Innerarity sobre a forma de governar em geral.

Na sua obra mais recente, “Uma Teoria da Democracia Complexa”, este investigador basco de filosofia política e social, refere o seguinte:

As sociedades são bem governadas quando o são por sistemas em que se sintetiza uma inteligência coletiva (regras, normas e procedimentos), e não quando têm à cabeça pessoas especialmente dotadas. Poderíamos prescindir das pessoas inteligentes, mas não dos sistemas inteligentes; é o que se costuma dizer de outra maneira: uma sociedade é bem governada quando resiste à passagem de maus governantes.

Segundo este princípio – que me parece inatacável – é fundamental que o sistema de justiça seja inteligente, isto é, que reúna as virtualidades necessárias para resistir e atuar com eficácia e independência, mesmo em tempos socialmente mais conturbados e com maior exposição ao surgimento de tendências autocráticas.

Além de uma orgânica judicial apropriada é também essencial que os sistemas judiciais sejam dotados de condições materiais de operacionalidade e de agentes íntegros, competentes e com estofo ético.

O Fórum dos Presidentes dos Supremos Tribunais de Justiça dos Países e Territórios de Língua Portuguesa é um espaço privilegiado para refletir sobre estas questões e para encontrar os caminhos que nos levem a superar todas as dificuldades que o judiciário enfrenta.

Dispõe o Fórum de duas condições ótimas para esse efeito: uma língua comum – que representa uma grande vantagem em relação a outras redes judiciárias, na medida em que facilita a exposição e a troca de ideias – e uma ligação histórica, profunda e amiga, entre todos os países do Fórum.

Nunca é demais recordar os objetivos que levaram à criação deste fórum, vertidos no artigo 3º do Estatuto, aprovado por ocasião da V Conferência que teve lugar em Macau, em outubro de 2003.

Eis os objetivos:
a) Contribuir para o enriquecimento do património jurídico comum e o fortalecimento do primado do direito;
b) Defender a independência do poder judicial;
c) Estimular o diálogo entre os respetivos Supremos Tribunais, magistrados e funcionários, tendo em vista, designadamente, a eficácia dos órgãos judiciais e o acesso dos cidadãos aos tribunais;
d). Promover o intercâmbio de experiências e informações, designadamente no domínio da cooperação judiciária, jurisprudencial e bibliográfica.

 

Nos cerca de 20 anos que, entretanto, decorreram, muito mudou.

Hoje vive-se uma época marcada pela introdução de tecnologias avançadas na prática judiciária, que vão desde a tramitação eletrónica dos processos e a desmaterialização processual até à utilização de ferramentas de inteligência artificial.

Creio, pois, que será altura de introduzir algumas alterações ao Estatuto, no sentido de tornar mais ágil a comunicação entre os membros do Fórum e de conferir mais efetividade ao intercâmbio entre os judiciários dos vários países.

Lanço aqui o desafio para que se trabalhe essa possibilidade, de modo a que a proposta de alteração que eventualmente venha a surgir possa ser apreciada na próxima conferência, nos termos do artigo 10º do mesmo Estatuto.

Excelências:

Porque os desafios são muitos e complexos é importante que os países da lusofonia se encontrem unidos na procura das melhores soluções para os sistemas de justiça dos seus povos.

É esta a nossa obrigação enquanto magistrados e cidadãos.
Votos de bom trabalho!

 

São Tomé e Príncipe, 5 de dezembro de 2022

​Henrique Araújo, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça

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