– Senhor Presidente da República (Excelência)
– Senhor Presidente da Assembleia da República (Excelência)
– Senhor Primeiro-Ministro
– Senhor Presidente do Tribunal Constitucional
– Senhora Vice-Presidente do Supremo Tribunal Administrativo (em representação da Senhora Presidente)
– Senhor Presidente do Tribunal de Contas
– Senhor Secretário de Estado Adjunto e da Justiça (em representação da Senhora Ministra da Justiça)
– Senhora Procuradora-Geral da República
– Senhor Provedor Adjunto (em representação da Senhora Provedora de Justiça)
– Senhora Secretária de Estado da Justiça
– Senhor Vice-Presidente do Conselho Superior da Magistratura
– Senhor Bastonário da Ordem dos Advogados
– Senhor Presidente da Câmara Municipal de Lisboa
– Senhores Presidentes Eméritos do Supremo Tribunal de Justiça
– Senhoras e Senhores Conselheiros
– Minhas Senhoras e Meus Senhores
A presença de V.ª Ex.ª, Senhor Presidente da República, neste ato solene de posse, constitui motivo de enorme honra para o Supremo Tribunal de Justiça e de grande orgulho para o empossado.
É também mais um sinal inequívoco da atenção que V.ª Ex.ª tem dispensado ao sector da Justiça e ao poder judicial, pilar fundamental do Estado de Direito Democrático.
Bem haja, Senhor Presidente!
Dirijo também um agradecimento ao Senhor Conselheiro António Joaquim Piçarra, cujo mandato como Presidente do Supremo Tribunal de Justiça cessou recentemente.
Agradecimento pelo labor desenvolvido nestes últimos anos, em particular durante todo este período em que a pandemia passou a coabitar as nossas vidas.
Reinventou modos de gestão, reorganizou os serviços, esteve permanentemente atento às diárias oscilações do surto pandémico, num esforço contínuo de adaptação do tribunal às circunstâncias do momento. Tudo com a pressão da urgência e sem um precedente que pudesse guiar a forma de atuar perante uma calamidade deste tipo. Só assim, com esse trabalho de lúcida liderança, foi possível garantir que a atividade do Supremo não parasse.
Simultaneamente, e enquanto Presidente do Conselho Superior da Magistratura, teve de enfrentar uma série de acontecimentos, no judiciário, que todos gostaríamos que nunca tivessem ocorrido.
A Justiça portuguesa ficará sempre grata a V.ª Ex.ª, Senhor Conselheiro.
Expresso igualmente um agradecimento aos candidatos que comigo concorreram a esta eleição. As ideias e propostas apresentadas constituíram um importante contributo para um debate que ocorreu em ambiente de profundo respeito e cordialidade.
Um agradecimento muito especial aos meus Pares, Conselheiras e Conselheiros deste Supremo Tribunal, pela honra que me concederam de presidir a uma instituição tão prestigiada e pela confiança que em mim depositaram para o exercício de um mandato que será seguramente muito exigente e de enorme responsabilidade.
Estou bem ciente de que os próximos tempos trarão dificuldades de vária ordem e de que haverá momentos conturbados. Tenho, porém, a certeza de que o Vosso apoio me dará força e alento para vencer os obstáculos que forem surgindo.
Fruto das condicionantes impostas pela salvaguarda da saúde pública, não podem hoje estar presentes muitos Colegas e Amigos que gostariam de associar-se a esta cerimónia de posse.
Para todos envio uma afetuosa saudação.
Senhor Presidente da República.
Ilustres Convidados
Senhoras e Senhores Conselheiros
Estes últimos anos foram muito penosos para o funcionamento do STJ e essa penosidade não resultou somente da crise pandémica espoletada no início de 2020.
Devido às obras de conservação e restauro nas instalações do Terreiro do Paço, o STJ passou a funcionar, desde 2018, no antigo Convento de São Patrício.
Não obstante se terem realizado obras de adaptação para acomodação do Supremo, a verdade é que o antigo Convento nunca ofereceu condições minimamente dignas e adequadas, nomeadamente em termos de acessibilidade, funcionalidade, apetrechamento e comodidade. A estas dificuldades logísticas juntou-se, com o início da pandemia, a necessidade de introduzir sistemas eletrónicos de comunicação à distância e da rápida aprendizagem na sua utilização, de modo a tornar possível a realização regular das sessões de julgamento.
Estas circunstâncias reclamaram um enorme esforço de todas as Conselheiras e Conselheiros deste Supremo Tribunal, que aqui é justo reconhecer.
Naturalmente que este reconhecimento se estende a todos os Oficiais de Justiça e Funcionários.
Excelências:
Esta cerimónia de posse realiza-se ainda sob a nuvem negra e espessa da situação pandémica que tem ensombrado as nossas vidas e nos tem afastado das práticas conviviais a que estávamos habituados. Felizmente, essa nuvem parece estar a dissolver-se e já se vêem no horizonte brancos fiapos de esperança num retorno à normalidade.
Contudo, as marcas deixadas vão tardar a desaparecer.
Como em todos os acontecimentos dramáticos em que a humanidade foi posta à prova, há lições que se devem retirar. A mais importante é a de que a condição humana é extremamente vulnerável. Temos de ter consciência da nossa fragilidade para darmos valor àquilo que realmente importa: a relação com o outro e o contributo que cada um de nós pode dar para a construção de uma sociedade mais justa, mais solidária, mais substantivamente inclusiva. Sem violência, sem egoísmo, sem preconceitos.
A paz social e a vida em sociedade dependem em larga medida de um sistema de Justiça eficiente, competente e transparente, em que os cidadãos possam confiar.
Sabemos que a nossa Justiça tem um forte pendor burocrático e garantístico, com impacto direto nos níveis de eficiência e nos tempos de decisão.
Lidamos, por um lado, com uma prática forense em que predomina a indiferenciação entre o inútil e o essencial, o que motiva a apresentação de extensos articulados e requerimentos. Escreve-se muito. Consomem-se, sem critério, dezenas ou centenas de páginas em argumentações desprovidas de interesse e em repetições escusadas.
As decisões dos tribunais têm-se deixado influenciar por essa tendência, sendo cada vez mais frequente depararmos com despachos ou sentenças cuja leitura se transforma num difícil exercício.
Além dos articulados habituais, existe toda uma via incidental que pode ser explorada pelas partes, dentro do generoso catálogo propiciado pelos códigos de processo civil e penal.
Por outro lado, as Relações foram sendo transformadas, paulatinamente, em tribunais onde se repetem, de forma ampla, os julgamentos da matéria de facto, desvirtuando-se o caráter residual dessa competência inicialmente atribuída. Com efeito, como todos nos lembramos, a razão que esteve na origem da consagração dum segundo grau de jurisdição em matéria de facto foi a de serem reparados os erros manifestos de apreciação da prova na 1ª instância. Daí ao atual estado de coisas vai uma longa distância, que, reconheça-se, a própria jurisprudência se foi encarregando de encurtar, numa atitude de progressiva complacência. Em resultado, temos hoje as Relações atafulhadas de processos em que se discute amplamente, por via de impugnação recursória, a matéria de facto decidida na 1ª instância.
Some-se a isto, o cada vez mais exigente encargo de fundamentação da decisão de facto, exercício que obriga os juízes a tudo justificarem por escrito, mesmo quando a prova se encontra gravada.
Depois da decisão final, as partes podem arguir nulidades, pedir a retificação ou reforma, reclamar e, eventualmente, recorrer, sendo que todas estas possibilidades de reação à decisão se abrem em cada uma das instâncias de recurso por onde o processo transite.
Por fim, e agora quase sempre, o recurso para o Tribunal Constitucional.
Não é este, certamente, o momento mais apropriado para aprofundar esta análise.
Apesar das referidas condicionantes, a verdade é que, segundo o último Relatório da Comissão Europeia para a Eficiência da Justiça, os tempos de decisão e os níveis de eficiência dos tribunais comuns portugueses situam-se na média dos países europeus, superando até, quanto aos níveis de eficiência, os tribunais de países como a Alemanha, França, Suécia ou Dinamarca.
A Justiça portuguesa surge igualmente bem posicionada em rankings internacionais quanto aos aspetos da isenção, da independência e da imparcialidade.
Mas então impõe-se a pergunta: se a Justiça portuguesa está bem posicionada nesses estudos internacionais, quer em termos de prazos de decisão, quer em termos de eficiência (número de processos findos em cada ano), como explicar este brado contínuo de que a Justiça não funciona? O que estará por detrás deste descontentamento generalizado, facilmente percecionável por quem está minimamente atento à realidade?
Não são necessárias grandes reflexões para encontrar a resposta.
O sentimento de descrença no aparelho de Justiça resulta da expetativa frustrada dos cidadãos na resolução rápida de processos criminais de grande envergadura em que, geralmente, são visadas figuras da sociedade com notoriedade pública. O massivo tratamento mediático desses processos produz no sujeito passivo da informação a urgência de um resultado, de um desfecho. Daí que o arrastamento temporal desse tipo de processos, seja pela sua complexidade intrínseca, seja pelos expedientes usados para tornar mais longínqua a decisão final, crie um dano irreparável na imagem da Justiça infligindo simultaneamente um desgaste na confiança do sistema.
É este o principal problema com que a Justiça dos tribunais comuns atualmente se defronta e que demanda uma especial atenção por parte das entidades responsáveis.
Mas não se pense que a questão é única ou estritamente funcional ou processual.
Sabemos todos que a realidade está sempre uns bons passos à frente da lei. A inércia do legislador, quando prolongada, aumenta a distância entre a lei e a realidade, abrindo espaço à desregulação e à impunidade.
Este é, precisamente, outro dos aspetos que potencia o descontentamento e o desânimo da comunidade, designadamente em relação a condutas que o sentimento geral reprova. As assimetrias valorativas exigem atuação legislativa pronta, sobretudo na área penal, através da criação de novos tipos legais de crimes ou da adequação dos existentes à escala de valores por que a sociedade atualmente se rege.
A reiterada impossibilidade de se alcançarem soluções consensuais na área da Justiça impõe que o poder legislativo assuma, sem hesitações, as suas competências, cobrindo normativamente os espaços deixados em aberto pelas velozes dinâmicas da sociedade.
Seguramente que se pode também melhorar o tempo médio das decisões, mas isso implica que, a montante, se resolvam questões já há muito identificadas e que se encontram pendentes.
Provavelmente outras se descortinarão numa análise mais apurada sobre o sistema, mas o que é deveras indispensável é que o debate sobre os problemas da Justiça se faça de modo construtivo, ponderado e sério, sem depender de impulsos mediáticos ou de momentâneas correntes de opinião formadas em torno de interpretações da realidade ditadas por interesses difusos.
Senhor Presidente da República
Ilustres convidados
Senhoras e Senhores Conselheiros
Reafirmo o compromisso que assumi perante os meus Pares aquando da eleição para a Presidência do STJ.
Exercerei este mandato num ambiente de efetiva proximidade, em permanente diálogo com todos, na busca das melhores soluções para o bom funcionamento do mais alto tribunal do País.
Cabendo-me, por inerência, a Presidência do CSM, reafirmo também o compromisso de zelar pela independência do poder judicial, valor que nunca pode ter-se por definitivamente adquirido, como se tem visto ultimamente em alguns países do continente europeu.
Os sistemas de poder nas sociedades modernas têm produzido formas sofisticadas de condicionamento ou ‘domesticação’ do poder judicial. São facilmente intuíveis as razões que subjazem a essa intromissão e, por isso, a independência do poder judicial tem de estar na linha da frente da defesa do Estado de Direito.
No dia em que for atacada a independência do poder judicial, o Estado de Direito claudicará e com ele os direitos fundamentais dos cidadãos e a própria democracia.
Quero terminar com uma mensagem de confiança.
Os nossos tribunais produzem diariamente milhares de decisões que se dirigem à regulação e tutela da vida das pessoas, das empresas e da coletividade.
Essas decisões são proferidas por magistrados judiciais que, trabalhando de forma dedicada, competente e discreta no recato dos seus gabinetes ou nas salas de audiências, se preocupam exclusivamente em prestar à sociedade o serviço de Justiça que o Estado de Direito democrático constitucionalmente garante. Sem protagonismos, porque na magistratura judicial não há lugar para ídolos ou heróis. Os magistrados judiciais mais não são do que homens e mulheres que, num determinado momento histórico, aplicam as leis do Estado
em nome do Povo, com sujeição a um regime de exclusividade funcional sem paralelo com outras atividades e vinculados a um vasto conjunto de deveres estatutários e regras de natureza ética.
Quem ingressa na magistratura judicial sabe bem, logo à partida, que o exercício de funções jurisdicionais implica uma severa constrição de alguns direitos fundamentais, como o direito à livre expressão, à prática de atividades político-partidárias e mesmo, em certa medida, o direito à participação cívica em geral.
Estas restrições derivam da necessidade de evitar que, nas representações sociais, se possa duvidar da imparcialidade e da independência de quem julga, pois só assim a função jurisdicional vai ao encontro da sua razão de ser: a tutela dos direitos e interesses legítimos dos cidadãos.
Não tenho dúvidas de que nos próximos tempos se assistirá a um significativo aumento da procura do serviço da Justiça, em resultado dos efeitos da crise social e económica criada pela pandemia. Apesar das maiores dificuldades que se possam vir a sentir, quero deixar aqui um sinal convicto e claro de que os juízes e os tribunais portugueses saberão estar à altura das circunstâncias.
Os nossos concidadãos podem confiar.
Lisboa, 07 de junho de 2021
Henrique Araújo, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça
voltar